domingo, 23 de janeiro de 2011

O vinho

Houve uma época em que, unespiana que ainda era, 4 reais eram suficientes nas "dinâmicas de sociabilização noturna" do Diretório Acadêmico para beber quatro copos de vinho e dançar Pescador de Ilusões - ou, me recordo bem de uma noite regada a Justin Timberlake, Britney Spears e Pussycat Dolls, a contragosto de todos os ditos revolucionários do ensino superior público que dançaram - até o amanhecer. O vinho, armazenado em garrafas de 5L, era cuidadosamente servido em copos plásticos com pedras de gelo e se espalhava pelas mãos do barman - geralmente próprios estudantes - e pelo chão do bar... Se tratava da safra especial daquela vinícola famosíssima no Brasil chamada Sang di Boá. Eu não reclamava. Preferia o vinho à Antarctica quente das cervejadas. Anos da primeira década do segundo milênio...
Com o passar dos anos, meu gosto por vinho veio se aprimorando, pois como já disse o sábio, depois que você experimenta o filé mignon, o coxão duro fica difícil de descer... Assim, hoje posso dizer aos mais leigos que a uva primitiva me fascina, especialmente se na garrafa do Primitivo ou Edizione (dentre suas demais uvas, claro). Ao querer bancar a sabichona, posso me gabar de adorar o australiano Elderton, degustado apenas duas vezes, mas o suficiente para se enquadrar no TOP 5. Encho a boca para dizer que adoro a portuguesa Alicante Bouschet, nome que demorei um jantar inteiro para decorar relacionando-a a alicate e bucha de banho, seja lá qual for a relação... Já Brunello di Montalcino faz parte da minha história, pois ao começarmos a ensaiar a saga da italianada em Porca Miséria, pedi ao meu "mentor" uma garrafa - vazia - de um vinho italiano caro para se contrapor à miséria da família endividada, se é que alguém da plateia entendeu a piada - ou pelo menos conseguiu ler o rótulo... A garrafa era preenchida com Tang sabor uva ou Fanta Uva, e durante uma discussão em família, eu, Miquelina Buongermino, virava umas boas 5 taças do "Brunello di Montalcino"... E, religiosamente, sempre alguém vinha me perguntar ao findar do espetáculo se aquilo era vinho de verdade. Não custava dizer que era. Coisas do teatro...
Hoje aprendi mais duas uvas tipicamente portuguesas: touriga nacional e... e... alguma coisa "eira". Esqueci. Mas já é o suficiente para me gabar numa mesa com algum (a) acompanhante que igualmente tente bancar o (a) entendido (a). Ao retornar do Chile, trouxe por indicação quatro garrafas de Casillero del Diablo, achando que estava abafando! Ao perguntar para meu "mentor" sobre sua qualidade, ele disse: "É muito bom. Para temperar carne.". Fiz-me escarlate, dei risada e te digo ainda que tomei o vinho alguns dias depois e ainda fui muito elogiada pela escolha. Mas essa história de cheirar rolha... olha... confesso que não seria capaz de bater de frente com o sommelier dizendo que o vinho estivesse passado. Eu ainda me atenho aos preços da carta de vinhos na hora de pedir um...
Já estou beirando meus 25 anos então posso declarar - especialmente porque este é o MEU blog - que um paquera, certa vez, tentou me agradar ao servir comida japonesa e um cabernet sauvignon depois de eu dizer que adorava ambos... Adoro, sim, mas não juntos! Na hora a crítica coçou bem na ponta da minha língua, pois quem conhece um mínimo sobre vinhos, sabe que não se serve tinto com peixes, muito menos, com peixe cru! Meu "mentor" se contorceu à la Exorcista com tal relato... Mas, críticas enololíticas à parte, o paquera mereceu todo o crédito, pois o jantar acabou sendo uma delícia, o filme que se seguiu idem e o café da manhã a mesma coisa...
Saber sobre vinhos é uma coisa. Conhecer alguns é outra. Portanto, já peço licença poética aos enólogos caso tenha cometido algum erro no meu relato de aprendiz - que provavelmente tenha sido cometido -, mas que alguém que entenda de vinhos e possa me oferecer algum que não Le Chapé, me brilha os olhos...
Cada um bebe de acordo com suas possibilidades e paladar, claro. Mas por favor não me venha dizendo que Salton é champagne nem se vangloriando por beber um Periquita. O Sang di Boá já foi minha bebida dos deuses... Mas com dois anos com diploma no armário, infelizmente meu lado dionisíaco (ou à la Baco, não sei qual mitologia te satisfaz...) tem evoluído a ponto de poder dizer que nem sempre o preço tem a ver com a delícia dentro da taça. Nem sempre... mas quase sempre tem. É o que diz minha vasta experiência com vinhos. E como enóloga, eu sou uma ótima atriz!
PS: Trincadeira! Era esta a "eira" que eu tentava me lembrar...