Teorias e Mecanismos da vida
Ainda férias. Uma noite normal, quente, sem muito que fazer nem pensar. A vida parece pacata, sem grandes novidades, parada igual ao ar da cidade, que custa a fornecer um único sinal de vento. Até uma mensagem de “luto” aparecer no nickname de um amigo de faculdade, e eu perguntar “luto por quem?” enquanto ele estava on line. A resposta foi triste. Demorei alguns segundos para captar, alguns minutos para conversar com quem pudesse e com certeza ainda levarei alguns dias ou talvez toda a vida para compreendê-la.
Era a perda de uma querida e sábia professora. Apenas um semestre com a matéria Teorias e Mecanismos de Integração Regional, um sorriso a cada Boa Tarde, outro sorriso a cada resenha entregue, um dez no boletim e um singelo e quase inédito parabéns pela nota – os professores universitários não costumam parabenizar os alunos por boas notas. Agradeci, mas pelo que me recordo agora, não me despedi.
Não desenvolvi grande proximidade com a querida professora, nem debati os assuntos que ela tanto clamava por discussões e dúvidas naquela sala quase apática. Aliás, nunca fiz uma única pergunta a ela. Eu sempre fiz parte da apatia da sala. Lembro-me de suas broncas tentando acordar a turma para o mundo, para os noticiários, dizendo com toda razão possível, que jamais seríamos verdadeiros analistas internacionais sem acompanharmos os jornais, o que acabava doendo dentro da consciência de cada aluno que estava sentado nas duras carteiras daquela faculdade pública. Ao pedirmos o intervalo – já que não existe um horário muito fixo paras as atividades naquela faculdade –, os alunos saíram comentando sobre a quase fúria da professora, como ela estava exaltada naquele dia, como ela costumava ser mais “boazinha” no início do semestre. Mas eu sabia que naquele instante, as palavras da querida professora ecoavam para aqueles que tinham tudo na mão, e tinham também a preguiça de agir. Vencer a inércia daquela cidade do interior parecia difícil aos quase formandos.
Agora reflito. Não sei ao certo desde quando ela estava doente, se sentia dor, se sentia medo, o que achava da vida. A quase fúria da professora naquela tarde podia ser um reflexo daquele momento em que ela estava envolta de quarenta alunos, mas se sentia sozinha frente à realidade oculta? Nós simplesmente não sabíamos. Mas ela tentava nos alertar para uma vida inteira que alguém lá de cima nos prometeu e que deveríamos fazer dela algo esplendoroso.
Amanhã ela será cremada. E mais uma vez não poderei me despedir. Mas esta noite que estava sem graça, parada, ganhou um movimento indesejado, tempestuoso, de reflexão, de arrependimento. Bons e sérios professores são raros no ensino público de hoje, e agora ficam apenas as lembranças daquelas longas aulas, do que poderia ter sido dito para ela e não foi; do que poderia ter sido esclarecido para nós e não foi. A morte parece tão distante, até que uma mensagem on line nos estapeia e nos mostra o contrário.
Adeus à querida professora, que simplesmente esqueci-me de votar para que fosse uma das homenageadas na nossa colação de grau. Tenho certeza que ela ficaria feliz, ou apenas eu é que dou importância para essas formalidades acadêmicas? Adeus à inércia. Agora é a hora de agir, antes que seja tarde demais.
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