terça-feira, 25 de outubro de 2011
A Melhor Vó do Mundo
Quando um bebê nasce, ele chora e todos os outros sorriem. Quando alguém se vai, todos nós choramos mas ele que vai, sorri. Pelo menos é o que ouvi dizer por aí... Se assim for, neste momento o céu se faz mais alegre e o mundo aqui embaixo um bocado mais triste... Os últimos dias foram uma contagem regressiva da qual, se acreditamos que Deus sabe o que faz, todos nós tivemos que participar. Escrevo agora para ela e pensando nela, ela que nunca pediu prata em seus talheres nem versos sofisticados, mas que eu gostaria que escutasse a poesia mais linda... Ela, que não exigia pudores nem milindres, mas sempre mereceu o mais nobre respeito. Ria das piadas mais sujas ou banais, contava as histórias mais cabeludas - até o momento em que sua memória permitiu... - e criou uma família que tudo junto e misturado, hoje derrama lágrimas por uma saudade imediatamente doída e que teme que não só as tardes de domingo mas o resto de nossos ainda numerosos dias sejam nebulosos e mais solitários. Ela, que observei que me olhava de longe no último domingo enquanto eu desviava o olhar, talvez porque não fosse hora da despedida. Ainda... Ela, que não querendo me dar seu último pote das pimentas cultivadas em sua sacada, me prometeu comprar na feira quando ficasse boa... A criadora do melhor pudim de leite condensado, capaz de fazer os mais suntuosos empórios da capital babarem a seus pés... A cozinheira do melhor feijão, do mais saboroso bacalhau, da verdadeira feijoada. Amante incondicional do truco e da "víspora", senhora da melhor Coca-Cola, e a misteriosa detentora do segredo do melhor e mais simples tempero de salada de todos os tempos. Ela, que me deu a mãe mais linda, a melhor madrinha, a família mais especial... Ela, que com poucas jóias além daquele brinquinho de ouro, carregava um coração de diamante ornado com as mais coloridas pedrarias... Não carregava brasão nem foi notícia de jornal, mas levou o merecido título de "Melhor Vó do Mundo" e valeu por duas, três... Ela que jogou os cinco - ora seis - filhos no mundo, com a raiz na roça e a copa nos céus e aqui todos nós estamos, frutos de seus galhos ramificados e recheados das histórias mais engraçadas e mais despretenciosas, que não exaltam um perfeccionismo, já que ninguém é perfeito, mas que ela escreveu perfeitamente como tinha que ser. Tinha que ser assim. Agora o bastão foi passado para a gente, filhos, netos e bisnetos: suas sementes, seus motivos de orgulho. Mal acostumado... você me deixou... Não vale "eu devia ter feito mais isso" ou "não devia ter falado aquilo" porque traçamos o caminho que devemos traçar, seja ele reto ou tortuoso. Cada minuto foi fundamental. Perto, longe, rindo, chorando, brigando, reclamando, suspirando, descansando. Prometi em pensamento na beira de seu leito, um minuto antes de o fatal alarme apitar, que ela fosse em paz e que nós continuaríamos bem, cultivando tudo aquilo que ela plantou. Entendamos que tudo isso que nos cerca é "matéria" e o resto é lembrança, e esta sim, não se perde com o tempo, não se esvai com a modernidade, não é enterrada a sete palmos. É minha herança mais valiosa. E de você, Vó, guardarei as mais doces lembranças, lembranças desses vinte e cinco anos de convivência, de carinho, de cafuné, e de seus oitenta e dois de história, história que não merece outro nome que não seja "Divina". Ria aí em cima. Agora você pode. Você merece! Um dia a gente vai se encontrar...
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