A chuvinha cai lá fora e não há nada na televisão. Vim para a cama, tentei ler algumas notícias mas não fui além das manchetes. Fechei o laptop, voltei para o quarto e avistei uma lata sobre as prateleiras na parede, onde guardo há séculos cartas de uma grande ex-amiga. Ex-amiga não porque brigamos, mas porque nos afastamos, por questões geográficas e psicológicas da vida, sei lá...
Tínhamos uma mania lindamente louca de trocar cartas homéricas, trocando juras de amizades, confessando coisas que ou já haviam sido ditas ou que seriam posteriormente, fazendo comentários muitas vezes maldosos e invejosos, sonhando com os meninos... A expressão "que tédio" aparece nas quatro cartas agora lidas, e pensar que tínhamos apenas 11 e 12 anos naquela época! É... Faz tempo... Soltei algumas risadas com os planos dela de "vamos brincar de vender?" ou então "de brincarmos de escritório", já prometendo que naquele dia desceríamos. Explicarei melhor. Morávamos no mesmo prédio de um condomínio composto por 4 edifícios, e "descer" era nossa atividade preferida. "Vamos descer" era o equivalente a "Vamos à balada", e merecia a mesma produção: banho, perfume, topete no cabelo, já que tantos outros pivetes como nós lá moravam. Naquele tempo eu tinha medo de beijar na boca, embora fosse um dos meus sonhos tantas vezes com ela compartilhado. Mas eu não queria um beijo qualquer... eu queria "O" beijo, com "O" menino, em "X" situação. Obviamente que este beijo não assim aconteceu...
A gente não se desgrudava! Brincávamos de Barbie, berçário, loja, evocávamos espíritos - até recebemos algumas manifestações que acredito até hoje que deles -, jogávamos vôlei, ping-pong - éramos muito boas, inclusive! -, passávamos trotes nos paqueras que nem sabiam de nossa existência - um deles veio a se tornar um grande jogador de futebol e alguns outros eu cheguei a conquistar mais tarde... -, e acreditávamos que aquela amizade duraria para sempre. "Acho que nascemos para ser best friends", escreveu ela numa carta de julho de 97, arriscando um inglês parco mas que nos fazia sentir mais sábias e adultas. "Espero que conquiste todos os seus sonhos, especialmente o de morar em uma casa", ela me desejou. Não me lembrava deste sonho meu tão significativo que mereceu um adendo na carta, mas quem dera que meus sonhos hoje fossem tão simples como este...
"A vida é uma grande ilusão", diz a música de abertura da novela das oito. E nos iludimos com as promessas do "para sempre". Para sempre ficarão as lembranças, as experiências, as cartas... mas a amizade, não. As poucas vezes que a encontrei depois de me mudar de lá marcaram as trilhas distintas que nossas vidas tomaram e acho que nem tive a chance de relatar meu pseudo-relacionamento com um daqueles muleques que recebiam nossos telefonemas alguns anos depois.
Mas o "forever" de algum modo funciona. As histórias ficarão para sempre e eu não pretendo abrir mão destes manuscritos jamais. E nesta noite desejo que minhas atuais grandes amigas não se esvaiam na poeira do tempo. Hoje, em plena terça-feira, fomos ao cinema e comemos um japa, e vi que mais importante do que promessas e ilusões, é a alegria de poder comer milhares de sushis e discutir se paraplégicos sentem prazer sexual, sem esperar nada em troca, sem prometer o futuro, saudando sempre o passado...
Amo minhas amigas incondicionalmente!
Aliás, assista Amor sem Escalas! Vale a pena... mesmo eu tendo medo de me tornar um pouco parecida com o personagem de Georgey Clooney...