terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Fernando, Fernandinho dinho...

Era manhã da última sexta-feira e Tio Nando preparava seus famosos e deliciosos mistos para o café da manhã na casa de praia alugada pela família em Ubatuba. Há dez anos este feito não se repetia e a alegria de todos era contagiante. A de Tio Nando, o organizador do evento, principalmente. Amante da cidade, passava lá as férias religiosamente há 25 anos. Na última grande reunião dos Menegucci em praia tentamos algo diferente e Juqueí foi a única tentativa de mudança. Mas não, Ubatuba era Ubatuba! Após a morte de meu pai, quantas vezes ele me chamou para ir, eu dizia que não tinha dinheiro e ele respondia mais ou menos assim: "Ah, Stellinha, o Tio Nando paga pra você."?! Incontáveis... E naquela sexta-feira resolvemos conhecer a Praia de Picinguaba. A farofa estava montada, só faltava o frango e o macarrão! Os coolers recheados de cerveja, sua bebida preferida, os Tupperware com salaminho e mortadela fatiados, a família, as risadas, as fotos, os pastéis, aquele mar quente e calmo, uma paz... a felicidade. Nós - mas especialmente ele - estávamos nas nuvens. A euforia era tanta que toda aquela diversão não bastou. Da praia, seguimos para a Cachoeira da Escada. Era tradição visitar alguma das cachoeiras de Ubatuba e tínhamos novos integrantes na família para mostrar todos os nossos locais preferidos. Ele parecia uma criança feliz. Mais que rapidamente subiu as pedras em busca das quadas d'água. E eu subi atrás, me gabando porque desde criança "escalava" rochas na praia. Quando cheguei lá em cima, ele já se refrescava debaixo d'água. "Ai, Tio Nando, eu tô com medo!". E ele dizia: "Se você cair, eu te seguro. Você é corajosa, pise ali...". E com sua ajuda eu ali sentei, debaixo daquela água que me massageava, com aquela vista linda rodeada de pessoas tão queridas. E ele me dizia: "Ó, tô orgulhoso de você! Não é a melhor coisa do mundo?". Depois desta emoção e de um cotovelo sangrando, resolvi me aquietar mais para baixo. Mas Tio Nando queria mais! Ele estava no topo do mundo! Na cidade que mais amava, com a jóia que mais prezava, sua família, vencendo desafios. Daí, o que era felicidade plena virou tragédia. Não entrarei em detalhes sobre nossos gritos de socorro, sobre nosso desespero, sobre a corrida contra o tempo, sobre o medo de perder ali aquele tio que tanto amava. Não vou rasgar em palavras a merda da saúde do País da Copa e não vou cuspir na falta de segurança, estrutura, organização, coerência e sentido da vida. Não vou relatar as horas de angústia que meu tio ficou na mesma maca em que foi resgatado, praticamente esperando a morte naquele lixo de hospital de Paraty. E nós jogados ao léu tentando fazer o possível e o impossível para tirar ele dali. Eram informações desconexas dos médicos, dos enfermeiros, do convênio, era o inferno na Terra. E aquele anjo padecendo sem que pudéssemos fazer nada... Atavam nossas mãos e braços mas desistir jamais! Até que depois de vinte horas, conseguimos com que o Águia o trouxesse para o HC de São Paulo. Já era tarde de sábado. Mas talvez já tarde demais. Guerreiro, Tio Nando não sucumbia. As orações vinham de diferentes lugares e de diferentes maneiras. Era muito amor para ser facilmente deixado para trás. E ele vencia batalhas impossíveis. Nossa esperança oscilava entre zero e cem, zero e cem, até que na manhã de domingo, Tio Nando não mais aguentou. Fernando Antônio Menegucci. O Menê. O Tchu Nando. O Fernando Fernandinho dinho. Se perfeição existe, seu coração chegou o mais próximo dela. Um homem humilde com olhos de menino, que lacrimejavam às mais simples emoções. Um trabalhador dedicado. Um pai carinhoso. Um marido exemplar. Um tio quase pai. O melhor churrasqueiro, de camiseta, bermuda, chinelo e boné. Um homem de fé. Tio Nando ganhou uma festa surpresa no último dia 19, completando fartos 51 anos de luta, de alegrias, de vitórias e de amor. E nas palavras dele naquele dia, o que mais vale nessa vida é carinho e amizade, porque o dinheiro não tem pressa. Tio Nando, você conquistou muito mais do que isso. Você conquistou admiradores. Se bondade tivesse nome, seria Fernando. E nesta loucura chamada vida, eu me perguntei porque Deus leva apenas os bons e uma pessoa muito querida me respondeu: "Quando você for colher uma flor no jardim você vai colher a melhor flor, a mais bonita, a mais perfeita e mais cheirosa... Com Deus é a mesma coisa.". Então vá florir os jardins dos céus, Tio Nando. Nós continuaremos aqui, colhendo suas sementes. Fernando Antônio Menegucci deixou dois filhos lindos, uma esposa maravilhosa, uma família saudosa, amigos incontáveis e um mundo menos colorido. Vá em paz, meu tão querido e amado tio. Perdemos uma peça chave e aqui continuamos, trancados num mar de sofrimento e saudade infinita. Te amaremos para sempre.