terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

14 de fevereiro

Começou o dia como um outro qualquer.
Em tempos frenéticos, não olhamos no calendário, apenas para o relógio e seu tic-tac infalível das curtas 24 horas.
Fiz as unhas pela manhã, me irritei (mentalmente) com a manicure que não respondeu aos meus caprichos da francesinha, fiz meu almoço, meu aquecimento dos músculos faciais, me arrumei e fui ao teste de sabonete, já munida do Blackberry carregado, um livro à tiracolo e meu MP3 devidamente preenchido e com a pretensão de dar muitos sorrisos para a câmera. Os caminhos para as produtoras já começam a se repetir e já estou familiarizada sobre qual ônibus pegar, onde é o banheiro, se costuma demorar ou não... E o papel, chutem mais uma vez? E lá estavam dezenas de crianças, igualmente esperando... mas correndo... desenhando... suando... Quando entravam para a maquilagem, precisavam ter seus cabelos arrumados pelo secador. E lá se foram quatro horas de cadeira... Entrei no estúdio. Assisti à primeira mãe fazer seu teste com o garotinho que provavelmente será escolhido. Foi um bom teste. Minha vez. "O que é ser mãe para você?", tive que responder. Eu realmente não sabia o que dizer. Falei, falei, talvez muito bem pronunciado, com boa dicção, mas pouca profundidade. Isso é tão complexo para dizer de pronto em frente a uma câmera e ainda ser avaliada por isso... Não sei porquê mas disse que conforme o tempo foi passando, fui crescendo e aprendendo e hoje já me visualizo no papel de mãe, inimaginado dois anos atrás, pois ser mãe é ter o que ensinar e saber amar, é ensinar a amar, é ser um poço de paciência, é ensinar a vida e o que é a vida senão o amor? Confesso que minha primeira frase foi: "Como mãe, hoje eu sou uma ótima filha.". Não fiz um bom teste, meu filho egoísta e independente que não soltava Pablo, o Pinguim também não cooperou. "Você então tem o sonho de ser mãe?", me perguntou a diretora. "Sim.". Tenho?
Ao preencher o pré-contrato, tinha o espaço para a data. "Que dia é hoje?", perguntei, achando que já caminhávamos lá pelo dia 17... "14". 14 de fevereiro. Hoje completaram-se 17 anos da morte de meu pai. E eu não tinha me dado conta até o fim da tarde... Que medo das já poucas lembranças se perderem... Que medo de os dias 14 de fevereiro se tornarem iguais aos 2,3,4, ou 27... Não levei flores a sua sepultura. Não entrei em nenhuma igreja.
Voltei para casa e já passavam das sete mas ainda assim tive forças de subir para o parque, lotado com o horário e o calor de verão.
Ao chegar cansada, fiz meu jantar com o último tomate, a última cebola e o último filé de peixe da geladeira, tomei meu banho normal seguido de um banho de sal grosso - o primeiro do ano que já julgava muito necessário - e arrumei um modo, vulgar até, de me conectar ao meu pai. Baixei a música "Só chamei porque te amo", de Gilberto Gil, que ele costumava lindamente tocar para mim no violão, a escutei repetidas vezes, derrubei algumas lágrimas pensando nos olhos que não poderiam estar inchados para o teste de amanhã cedo, postei uma foto antiga dele e suas três flores no Facebook e compartilhei minha saudade numa rede social. A saudade é um bicho doído, não?
Afinal... o que é a saudade? O que é ser mãe? O que é ser pai?
Estou ainda a algumas léguas de descobrir, mas muito perto de declarar: eu amo meu pai e eu amo minha mãe: suas lembranças, suas vigências, seus erros, seus acertos e suas imagens e sinto infinitas saudades: dela lá em Ribeirão, dele onde quer que esteja...
O dia não acabou como um outro qualquer...