sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Texto enviado para concurso da Revista Marie Claire ("Quando eu me libertei...")

Às vezes dizer que temos 25 anos parece pouco... "Tem muito o que aprender ainda...", diriam algumas céticas com alguns anos a mais na carteira de identidade. Mas meus 25 anos são inspiradores e se os próximos forem parecidos com estes, a vida já vai ter valido a pena...
Assim, me apresento: sou Stella Menegucci, com meus parcos e já 25 anos, sou de Ribeirão Preto mas moradora apaixonada de Sâo Paulo e sou atriz. Mas para me apresentar desta maneira, muita água passou por debaixo desta ponte...
Sendo a caçula de um quarteto fantástico e criada por uma mãe-pai no interior do estado, já que perdi meu querido progenitor aos ainda 7 anos, cresci muito independente e habilmente exigente comigo mesma. Era a melhor aluna da sala, "precoce", diziam alguns. Frequentadora da biblioteca da escola, pedia livros de presente de aniversário, com boas notas no boletim, sem dar a mínima preocupação para minha mãe. Desta maneira, com o passar dos anos sempre depositaram em mim a confiança de ser no futuro, uma brilhante profissional, bem-sucedida e certamente com um diploma invejável pendurado na parede. Mas a dúvida da profissão sempre rondou a cabecinha de quem vos fala. Jornalista? Advogada? Dermatologista jamais! Mas no fundo, no fundo... eu sabia o que queria ser. No meu diário de 1997, eu inocentemente clamava: "Quero ser uma chiquitita!", ano em que a novela dominava a minha programação televisiva. Mas aquilo era o mais absoluto sigilo! Loucura? Provavelmente. Querer ser atriz? Aos onze anos de idade? Morando na longínqua cidade de Ribeirão Preto? Enquanto driblávamos as dificuldades, nunca tive a coragem de pedir para que minha mãe "jogasse fora" 500 ou 600 reais naqueles "workshops picaretas" de interpretação para tv... Mas no meu mais profundo eu, sonhava em alguém me pegar pela mão e me colocar dentro de uma novela. Insanidade? Sim, a mais completa insanidade! Mas o Colégio Marista (escola a quem devo grande parte de minhas aspirações teatrais) me proporcionou experimentar a tentação dos palcos e me conferiu a facilidade com a oratória. O famoso "bichinho" me picou a partir do momento em que comecei a escrever o primeiro script de uma peça. Peças, sketchs, seminários, apresentações de dança, poesias... Não teve como! A doença "arte" tornou-se crônica. Mas... Os anos foram passando e a palavra "faculdade" tornava-se cada vez mais próxima. E a ambição de estabilidade financeira também. Fora o convite de um querido professor para a propaganda da minha escola, na época já o Liceu Albert Sabin, continuei a vida no interior. 2003. Chegam às minhas mãos manuais de inscrição das famigeradas provas do vestibular. Nesta altura do campeonato, o sonho estava mais do que enterrado e o diário daquela aspirante a chiquitita mais escondido do que barbeiro em casa de pau-a-pique. Mas sem saber qual "X" ali marcar, recorri à ajuda de uma orientadora vocacional. Dez sessões depois, temos como opção Relações Internacionais, seguida de Jornalismo e como terceira e última opção, Artes Cênicas. Mas, convenhamos, ser atriz? No Brasil? Eu? Stella? Do interior de São Paulo dizendo "porrrrta"? Quem pagaria minhas contas? Imagina, seria pobre para sempre, só podia ser alucinação... Assim, visando um "futuro brilhante", assinalei Relações Internacionais. Inscrita apenas nas três aceitáveis faculdades públicas que ofericiam o glamuroso curso, aos 17 anos ingressei na UNESP de Franca. Não sabia exatamente o que significava Relações Internacionais. Nem o que fazer com aquilo. E se eu queria aquilo. Mas era uma das mais conceituadas universidades do país e a oportunidade era única. Confesso que tive preguiça de estudar mais um ano para passar na tão sonhada USP, na tão almejada e ainda distante cidade de São Paulo. Fiquei com a instantânea opção. Assim, montava república em abril de 2004 naquela cidade de 280 mil habitantes. Foram cinco anos de greves, disputas de chapas estudantis, professores picaretas, muita leitura sobre OEA, União Européia, Direito Internacional, Economia Internacional, Estatística, Kosovo, diplomacia, quanta burocracia... Passei cinco anos aprisionada em um curso que não me satisfazia, numa cidade que muito menos... Eu poderia trabalhar no primeiro, segundo ou terceiro setores, já que as Relações Internacionais eram tão abrangentes e me abririam portas onde quisesse. Mas nenhuma daquelas portas me interessava. Fugia toda sexta-feira para Ribeirão Preto, e chorava copiosamente sem ver a luz no fim do túnel, retornando à cidade que me parecia tão fúnebre apenas para o almoço de segunda-feira. Tentei uma desesperada transferência para Sâo Paulo, mas por erros unespianos, me privaram de fazer a segunda etapa da prova, para a qual havia passado em primeiro lugar. Meu destino era ali, não tinha jeito... Resolvi aceitar o fardo depois de um intercâmbio para o Canadá, quando tomei um gás final rumo à formatura. As Relações Internacionais começavam a fazer sentido. Mas o pessimismo e o sarcasmo tomavam conta da minha personalidade. Eu não me encaixava ali. Nem nas RI nem na cidade pequena... Levava os dias com a barriga. Contava as horas do relógio. O tempo era interminável. Minha hora de brilhar era na apresentação dos tantos seminários. Como eu amava! Cheguei a dar aula em escolas públicas para cumprir minhas horas de estágio e era como estar num palco e receber as palmas no final do espetáculo. Eu sentia pena de mim mesma... Os poucos e rasos estudos de mídia me brilhavam os olhos! E o cinema, a televisão e a música nunca deixaram de me acompanhar... Em 2008, último ano daquela que eu considerava a maior tortura de todas, voltei para Ribeirão Preto e tinha janelas na grade afetada pelo intercâmbio de 2006. Aula apenas duas ou três vezes na semana. Minha turma já havia ido embora de Franca e não tinha porque lá continuar. O único brilho que eu enxergava, meus amigos, não estava mais lá. Com isso, comecei a pensar no que fazer com minhas horas vagas. O "sonho" - qual sonho mesmo? - estava mais do que enclausurado, mas despretenciosamente, um dia, anotei um número de telefone num outdoor da cidade que dizia "Curso de Teatro TPC". Resolvi ligar. Resolvi marcar uma primeira aula experimental. Resolvi aparecer, como quem não queria nada, mas me achando a idiota mais completa. Teatro? "Que coisa mais banal...". Quatro horas depois, andava na rua pensando: "Hum, interessante.". Voltei na segunda aula. Um mês depois, me chamavam para um teste de uma peça do repertório da escola, "E Agora, Mãe?". Peguei o papel de mãe. Dois meses depois, me entregavam o pesado script da italianada de "Porca Miséria" e me perguntaram: "Você segura o papel de Miquelina Buongermino"? E como segurei! Depois seguiram mais duas peças, João e o Pé-de-Feijão e o musical "Verdunga - na Terra do Verde-Cinza". E eu comecei a enxergar a tão esperada luz! Era um mundo novo se abrindo e eu finalmente me encontrando. Em um ano, rodei o interior do estado de São Paulo, subi em palcos nunca antes imaginados, levei minha família uma, duas, três, oito vezes ao teatro, para ver uma nova peça e às vezes a mesma peça. Mostrei a amigas que aquilo não era brincadeira. Fui a lágrimas ao ver quase mil pessoas batendo palmas para um drama familiar ou as quatrocentas pessoas gargalhando na comédia política... Me chamaram para um primeiro teste de vt, fiz minha primeira propaganda profissional, na televisão local e foto na Revista VEJA... Mas no desespero pré-diploma, segui o fluxo com aqueles universitários assustados em enfrentar o mercado de trabalho e também me inscrevi em processos de trainee. Depois de provas on-line, inglês por telefone, dinâmicas hipócritas e entrevistas, resolvi abandonar aquela que poderia ser uma segunda prisão: uma vaga numa multinacional. Após perder o sono por várias noites e depois de uma conversa derradeira com minha mãe, enviei um e-mail à Cargill e à International Paper, agradecendo a oportunidade mas dizendo que tinha outros planos para 2009... Ah! Meu TCC? Não tive como fugir... "A Americanização do Brasil Durante a Segunda Guerra Mundial através de Hollywood". Dez com êxito! Canudo na mão, diploma na gaveta, etapa cumprida! E foi quando finalmente me libertei dos meus próprios medos e preconceitos e bati no peito, defendendo não apenas o que era sonho, mas o que sempre soube que era vocação. E me mudei para Sâo Paulo para ser, definitivamente, atriz! Abri mão de uma estabilidade financeira e psicológica para uma recém-formada e mergulhei de cabeça na fantasia da arte. De lá pra cá, quanta coisa! Cursos de teatro, tv, cinema, partipação em longa, curtas, as tantas ciladas, meu tão cobiçado DRT, o primeiro teste, o primeiro teste com fala, a primeira grande propaganda... O resto é história. Hoje sorrio com a mais pura verdade e se choro, na maioria das vezes, é de alegria. O dia-a-dia é duro, sim. Esta é uma carreira para quem disputa maratona e não uma corrida de cem metros. Mas, me faz feliz, me faz realizada, me faz querer crescer e sonhar. E ver o orgulho no sorriso de minha mãe a cada trabalho conquistado, não tem preço... Já diria Guimarães Rosa que a felicidade não está na saída nem na chegada, ela se dispõe para a gente é no meio da travessia. E esta travessia que mais parece uma montanha-russa me faz gritar de alegria e sentir o frio na barriga do adeus à frustração. Ser feliz é fazer o que a gente gosta, onde a gente quer e com quem a gente ama. E hoje bato no peito e vejo como passado as velhas amarras do medo. O sonho é sim, possível. Basta assumir. E acreditar.