quarta-feira, 25 de março de 2015
No avião
Meu tema é da semana passada mas está valendo! Viajando a gente conhece lugar novo, gente nova, coisas novas, sentimentos novos... Meu voo Cuiabá - São Paulo era quinta-feira às 11:03h e por um problema chamado pressa, em algum momento eu li 11:30h. Mas o erro foi consertado a tempo, apesar de uma baita correria... Eu peguei a última poltrona do avião: corredor no fundo! Ao meu lado, supostamente um casal com seus quarenta - cinquenta anos. Sentei, afivelei o meu cinto e recebi um cutucão quando passou o comissário de bordo acompanhado de um "Nossa Senhora, hein!". Aí que percebi que não, ao meu lado não era um casal e sim uma mulher e um homem aleatórios. Comecei a rir. E ela insistiu: "O que é bonito a gente tem que olhar!" e assim começamos a analisar aquela figura masculina, diríamos, interessante. Nos indagamos sobre a sexualidade da pessoa em questão. Analisamos o anel de compromisso. Seus braços malhados, aquela coisa toda. E ela disse que eu deveria sempre prestar atenção. O nome dela era Jô-alguma coisa que não me lembro, simplificado por ela mesma por Jô. Foram muitas risadas antes de levantarmos voo. O passageiro, se sentindo meio deslocado, perguntou se podia rir também e respondi que era "assunto de mulher". E começamos a conversar. Ela agradeceu minha simpatia, disse que normalmente pessoas chatas e caladas é que sentam ao nosso lado em viagens - mas em silêncio pensei comigo que muitas vezes eu sou essas pessoas e outras tantas vezes agradeço por elas... O passageiro tinha medo de avião e rimos a beça do nervosismo dele na decolagem. E Jô disse: "Pára, menino, é uma delícia! Friozinho na barriga, tem coisa melhor?". Ela morava em Curitiba mas esteve com a filha, estudante de cursinho em Sinop, nos últimos meses. E falou que depois que perdeu seu filho de 21 anos há 4, em um acidente de moto, ela não tinha mais medo de nada e por isso tornara-se fã das borboletas no estômago e sem papas na língua para comentários "maliciosos" sobre o comissário ou quem quer que fosse. Ela falava mesmo. Vivia mesmo. Disse que viu seu filho debaixo da carreta do caminhão. Ele morreu na hora, por conta de um segundo de distração. E concluiu que, como na vida a única certeza que temos é da morte, por quê temê-la? E eu adicionei à conversa minhas perdas pessoais em acidentes igualmente bobos e falei que o que nos restava era aceitar, senão enlouqueceríamos. Com o sacolejo do avião, me bateu um soninho e uma necessidade de ficar quieta com meus pensamentos e pedi licença para escutar minhas músicas. E ali, naquele voo, eu pensei sobre o frio na barriga, sobre a língua solta, a minha língua solta, a minha necessidade de aventuras, de cores, de sons, de movimentos, a minha pressa... Talvez muito cedo eu tenha aprendido a aceitar a morte - ou pelo menos a conviver com a ideia dela - e por isso não tenho medo de (quase) nada. Não vou retirar minhas trompas de falópio ou fazer uma mastectomia com medo de morrer de câncer, nem vou me enclausurar em casa com medo da violência nas ruas. Viver é correr perigo de morrer, caso contrário, é sobrevivência. Não? Lógico que não estou defendendo a inconsequência mas a vida é tão curta... Pode acabar numa bobeira na estrada, num escorregão numa cachoeira, num último suspiro no travesseiro, quem é que sabe? Então vamos nos permitir porque não há tempo que volte, amor. Simples assim. Porém tão complexo... Quando pousamos, fiquei preocupada com minha bagagem de mão acima de alguns assentos a frente e não me despedi da Jô-alguma coisa. Mas bem que ela falou: "Você não vai esquecer de mim, né?!". Não, Jô, não me esqueci. E você é uma alma iluminada que merece esse mísero post e meus sinceros agradecimentos por fazer valer aquelas duas horas num voo qualquer...
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